De 2009 a 2012 morei no Convento Santo Antônio do Largo da Carioca, no Rio de Janeiro e lá fui Reitor do Santuário de Santo Antônio, que está junto ao Convento de Santo Antônio, uma fundação da Ordem dos Frades Menores em 04 de Julho de 1608, portanto um Santuário de 410 anos. Um lugar de grande tradição e presença de fiéis. A partir desta experiência, tenho que dizer uma palavra sobre o que chamamos de Pastoral Ordinária e Extraordinária, e assim estabelecer uma pequena diferença entre Paróquia e Santuário.

Muitos me perguntam se fui pároco no santuário. Respondo sempre que pároco não fui, pois o Santuário de Santo Antônio não era uma paróquia, mas sim Reitor do Santuário. Temos que conhecer a diferença entre um Santuário e uma Paróquia, embora existam Santuários que são Paróquias. A Paróquia tem uma Pastoral Ordinária, isto é, está na ordem, nas normas, nas leis da Igreja que conclamam a fazer o que todos precisam fazer normalmente e de maneira organizada e com muita continuidade. É a manutenção cotidiana da fé através da comunidade paroquial e suas pequenas comunidades, com suas capelas, com todas as atividades paroquiais que alimentam a vida cristã:  batizado, eucaristia, crisma, casamento, celebração de exéquias, orações comunitárias, celebrações, conselho paroquial, movimentos, dízimo, e tantas outras atividades pastorais.

A Pastoral Extraordinária se caracteriza pela surpresa, pelo fazer aquilo que sai da rotina, algo diferente; as pessoas procuram o Santuário sem pertencer aquela comunidade; vem de todos os lugares, há peregrinação, busca, passos, crises, superação, conversão, instantes decisivos na vida da pessoa, bênçãos, unção, confissão, direção espiritual, aconselhamento, busca individual, agradecimento de favores, milagres,longos ou breves momentos de oração, pedidos, bilhetes deixados aos pés do santo, cartinhas, ofertas, ex-votos, promessas,  emoção, esperança, lágrimas e este jeito de sentir-se um penitente eliminando os excessos da vida para chegar a medida exata do coração.
Ambas são pastorais necessárias e complementares. Ambas são dirigidas ao mesmo ser humano, mas em circunstâncias diferentes. O extraordinário por ser extraordinário não acontece sempre do mesmo modo, não conhece rotina. São Francisco, no seu tempo reconstruiu Porciúnculas, isto é, pequenas igrejas à beira da estrada para atender o povo de um modo melhor. O povo, não podendo viajar, ia para as pequenas igrejas mais próximas cumprir suas promessas nestas pequenas porções de santuários.

O Santuário vive uma religiosidade mais popular e não se prende muito a rituais pré-estabelecidos. Quando há ritual, se expressa com sentimentos de gratidão, esperança, força divina e manifestação de conversão e sempre aquela sensação de que o Santuário é uma festa, e nisto o povo brasileiro sobressai, pois vai com muita alegria e festa à casa do Senhor e da Senhora sua Mãe. A Paróquia trabalha com grupo determinado e com o povo que pertence ao território da paróquia; o Santuário trabalha com o povo em geral, que passa por ali, que vem de outras paróquias, de outras comunidades e de muitos lugares diferentes da cidade e dos arredores. Em geral, quase todos os Santuários ficam num morro, sobre uma montanha ou num lugar mais elevado, ou num lugar mais estratégico, um lugar de passagem e paradouro da humanidade; é o cume, a aproximação da divindade, o lugar próximo do céu, a escada para subir a Deus.

As paróquias organizam bem o horário de atendimento; nos santuários as horas também são organizadas, mas as vezes ultrapassam o tempo determinado devido ao  constante  atendimento do povo que vem diariamente. Os santuários tem seus dias também muito especiais. Por exemplo, no santuário onde trabalhei era a terça feira, o dia dedicado a Santo Antônio. Por isso, todas as terças feiras, uma multidão sobe até o nosso Convento pedir a bênção de nosso confrade Santo Antônio de Pádua, de Lisboa e do Largo da Carioca. Ele acolhe a todos e divide conosco a atenção aos devotos. Para o nosso Confrade Santo, o povo pede a bênção, pede força afetiva no Amor, pede pão, emprego, pede graças entre achados e perdidos, pede os lírios, pede o que o coração pede. Para nós, confrades do Confrade Santo, eles pedem a Eucaristia, a bênção, a unção, a confissão, o perdão, e o tempo que for preciso de nossa atenção. No Santuário, o povo cansado de falar sozinho, encontra uma paciente escuta.

Hoje estou escrevendo, a pedido do meu amigo jornalista, Marcelo Vagner Bruggemann, aos devotos que leem a Revista  O Santuário e que frequentam o Santuário Virgem do Pobres, em Caieiras. Lugar de forte religiosidade, que tem como primeiro passo ajudar o povo a escutar, viver e dizer a Palavra do Senhor. Na dimensão afetiva da fé, o encontro com a Virgem dos Pobres, onde o povo vive perto e dentro da sua emoção este jeito de ter uma Mãe Divina. O Santuário da Virgem dos Pobres dilata as medidas do humano no encontro com o espaço sagrado do Amor de Deus e da Senhora sua Mãe. A mãe sempre dá o remédio de perto. O povo não busca a Virgem dos Pobres como se estivesse distante. Faz de seu Santuário a sua casa, o seu pedaço de chão, o lugar de seu coração.

O povo chega ao Santuário com vela acesa na mão e fé queimando por dentro. Ali canta, ora e reza exprimindo seu pensamento. O Santuário mostra o povo fragmentado em seus sofrimentos, mas que ajunta seus pedaços e volta na inteireza de ser pessoa de fé. O Santuário respira esta ideia bonita de povo de Deus. A Igreja, a fé e o povo são tão bonitos quando cantam e fazem gestos de eternidade. A religiosidade popular, presente nos santuários, atravessa séculos e nela as pessoas se refazem, se renovam cada vez.

O Santuário é o lugar do Carisma de um povo. Um povo que ama e busca a casa do Senhor, e lá encontra a sua Mãe, com gestos de confiança e abandono, com ânsia nos olhos, com participação apaixonada. O povo tem uma fé que grita por dentro e por fora e dialoga com o mistério por uma necessidade clara; é como as velas que acende no altar e entra pedindo ao Mistério que ilumine o visível e invisível, mas não deixe de trazer luz para sua vida. Há uma história densa na consciência e na inconsciência do povo. Não se pode anular esta história, seria como que cortar a sua carne viva. O Santuário Virgem dos Pobres acolhe a história do povo do jeito que ela é, e toca fundo o sentido da vida do povo, e restaura tudo o que está nele e anda lá por dentro de seus sonhos, necessidades e desejos.

O Santuário Virgem dos Pobres recebe gente sofrida, cuidada ou mal cuidada. Um lugar para manifestar de modo público a fé escondida nas certezas de cada um. Encontro de gente esperançosa que se comunica com olhos abertos ou fechados, murmurando preces. O povo quando reza, tem este jeito especial de fechar os olhos para ver melhor. Gente que conversa com os santo e santas e com a Mãe Divina. O Santuário é saída e chegada de sentimentos; janelas e portas abertas para um horizonte bem maior. No Santuário Virgem dos Pobres o povo sacia sua fome e sede de Deus, revivem seu ontem, pedem pelo seu hoje e acreditam no amanhã sob o olhar certeiro da fé.  É o lugar de encaixe para os apelos de fora e de dentro. No Santuário o povo, com humildade e contentamento reza e se diverte pelo fato de estar junto; encontra seu oásis, encontra explicações para suas dúvidas, busca repouso e consolação; afoga suas mágoas e tira o chão duro de seus olhos cansados. No Santuário o povo de reinventa.

O Santuário Virgem dos Pobres ensina o povo a confiar; a confiança é este jeito do povo de não caminhar sem a fé. É ali que o povo entende o que é ser sal da terra e luz do mundo. Em ser sal da terra o povo quer saborear a experiência do divino de um modo mergulhado e misturado nesta experiência. Para o povo o Santuário é a fé transformada em gosto, é o tempero da vida. Nunca o sal vai salgar se ficar no canto da travessa, longe do alimento. Mas porque se espalha e se perde no meio da multidão o povo cria gosto por tudo o que é de Deus e de Nossa Senhora. A religião e a espiritualidade não podem só ficar num cantinho da vida, ela se mistura a tudo. Para o povo a fé se mistura na realidade.

O Santuário Virgem dos Pobres ensina o povo a ser luz. O povo se ilumina quando coloca as suas intenções nas intenções de Deus, onde tudo é celebração, alegria, altar, mesa sagrada e bondade. No Santuário o povo faz adoração e procissão, o momento de saber parar para embalar os passos. São belos os pés dos que caminham juntos e dos que ajudam os mais fracos nas dificuldades do caminho. A caminhada até o Santuário tem uma realização que não dá para explicar. É uma fé que não se desvincula da vida; que tem a força dos sinais e símbolos, e onde a Palavra e a Eucaristia sempre são a força. No Santuário o povo abraça os sinais de fé, beija a fita, a imagem e manda beijos ao Santíssimo, porque o povo beija a manifestação de Deus onde quer que ela mostre seu rosto. O Santuário aproxima de um modo extraordinário o sagrado do humano e o humano do sagrado.