Marcelo Vagner Bruggemann[1]

RESUMO: A religião e cidade sempre andaram juntas ao longo da história, compartilhando poder, dividindo impostos, organizando a sociedade. A cidade como centro administrativo sempre teve seus espaços bem demarcados na organização territorial, oferecendo aos centros religiosos os locais mais privilegiados para sua edificação e para melhor contemplação de suas estruturas na paisagem. Enquanto a complexidade do meio urbano com suas ruas, avenidas, prédios, templos, comércios, constitui o lugar de vivência e de aprendizagem, lugar de construção de sentimentos, de pertencimentos e identificação com a própria cidade, um lugar carregado de crenças, valores e tradições que por si só é o patrimônio educativo constantemente praticado por meio de relações humanas. Sendo assim, o objetivo deste artigo é demonstrar que as Cidades Educadoras a partir do reconhecimento do grande potencial educativo presente nos centros religiosos, precisa abrir diálogo, ir ao encontro de modo a valorizar e respeitar a religião. Com base nisso, os resultados apontam que as religiões são parceiras na formação humana, tendo o homem a necessidade de pertencer ao lugar, formar uma identidade, formar seus valores, suas crenças, se educar com a cidade. Ademais, para dar fundamentação teórica ao presente estudo, apontou-se a importância da temática por meio do diálogo com estudiosos como Mumford (1988),  Subirats (2003), Woods Jr. (2014) entre outros, tratando-se, deste modo, de uma pesquisa bibliográfica para um estudo epistemológico significativo.

 

Palavras-chave: Cidade Educadora; Centros Religiosos; Religião

 

SUMMARY: Religion and the city have always walked together throughout history, sharing power, sharing taxes, organizing society. The city as an administrative center has always had its spaces well demarcated in its territorial organization, offering religious centers the most privileged places for their construction and for better contemplation of their structures in the landscape. While the complexity of the urban environment with its streets, avenues, buildings, temples, shops, constitutes the place of experience and learning, a place for the construction of feelings, belongings and identification with the city itself, a place full of beliefs, values ​​and traditions that in themselves are the educational heritage constantly practiced through human relationships. Therefore, the objective of this article is to demonstrate that Educating Cities, based on the recognition of the great educational potential present in religious centers, need to open dialogue, meet them in order to value and respect religion. Based on this, the results show that religions are partners in human formation, with man needing to belong to the place, forming an identity, forming his values, his beliefs, educating himself with the city. Furthermore, in order to give a theoretical foundation to the present study, the importance of the theme was pointed out through dialogue with scholars such as Mumford (1988), Subirats (2003), Woods Jr. (2014), among others, thus dealing with from a bibliographic search to a significant epistemological study.

 

Keywords: Educating City; Religious Centers; Religion

 

Introdução

Lewis Mumford[2] afirma que a cidade dos mortos antecede a cidade dos vivos, na perspectiva de que os homens criaram pontos de encontro cerimonial, formas de rituais, centros religiosos que podem ser o “motor” da cidade. De um modo ou de outro, davam estabilidade espiritual a seus agrupamentos humanos e à vida da cidade que começava a surgir, na forma que conhecemos. Essa prática envolvia os indivíduos em volta da crença sobrenatural, de um poder superior, do qual se devia respeito e dependiam seus destinos. A cidade estruturava-se na ideia de uma força superior que a caracterizava como um local sagrado, onde se mantinha sempre o significado de união e o sentido de religare como base de sua organização.

A religião sempre esteve próxima ao desenvolvimento das cidades. O espaço público do centro administrativo e do templo sagrado sucessivamente foram bem definidos na organização do espaço urbano, sendo os locais mais visíveis e privilegiados do território, uma fortaleza sempre no centro. Na organização política e social, a religião, à luz de Subirats [3], é uma das “ordens” que formam a cidade. Até a contemporaneidade, essa é uma marca na organização das cidades. As praças e suas igrejas são mais importantes do que o edifício da prefeitura, ou qualquer outro.

Além disso, abordar-se-á a Carta da Cidade Educadora, celebrada em Barcelona no ano de 1990, a qual reuniu os princípios básicos que conduziriam o impulso educador da cidade, com a ideologia de educar por meio da própria estrutura da cidade. As Cidades Educadoras devem ouvir as potencialidades educativas da cidade, devem ser absorvidas pela cidade como instituições com potencial educativo, porque nelas há os valores, a ética, a moral, a tradição, a definição do certo e do errado, e não a relativização niilista. O artigo combate a relativização e dialoga com os valores presentes ao longo da história nas religiões.

As cidades são o espaço educador por excelência. O espaço é deste modo, o lugar de troca de cultura, local onde o homem deve valorizar o seu espírito de concidadania. Com base nisso, a religião, no decorrer da história, se manifesta nas cidades como um elemento formador do caráter social do homem, revelando-se em um ser valorizado, detentor de dignidade e de direitos subjetivos, dando permissão para que a cidade seja um espaço que propicie mais o bem-estar entre as pessoas, tendo na caridade humana a fonte da sustentação organizacional da pólis.

Os espaços religiosos desempenhavam um poder de atração para com as pessoas que vinham de muito longe, fascinados e envolvidos por um estímulo espiritual com a finalidade de compartilhar as mesmas crenças religiosas ou práticas mágicas. Essa atração ocasional de pessoas a esses espaços sagrados, gerada pelo estímulo espiritual, ainda continua sendo um dos critérios fundamentais definidores da cidade. “À medida em que a religião foi se desenvolvendo a sociedade humana engrandeceu-se”[4].

Portanto, a pesquisa tem caráter bibliográfico e tem como objetivo abordar as Cidades Educadoras a partir do reconhecimento de que nos centros religiosos existem um grande potencial educativo. Ademais, o trabalho será dividido em 4 partes, são eles: A Cidade dos Mortos Antecede a Cidade dos Vivos; Sentimento de Identidade e Pertencimento na Cidade que Educa; A Hermenêutica da Religião na Cidade Educadora; Diálogo entre a Moral Cristã e a Carta das Cidades Educadoras; por fim, Conclusão e Referências Bibliográficas.

 

A cidade dos mortos antecede a cidade dos vivos

Há cerca de 60 mil anos, no extremo norte da região do Iraque, limítrofe com a Turquia, oito neandertais adultos e dois bebês foram sepultados em circunstâncias inusitadas. A descoberta do feito é do antropólogo Ralph Solecki, da Universidade da Columbia que liderou uma equipe para explorar o local e terminou descobrindo também dois cemitérios com 35 indivíduos que remonta 10.600 anos.

Os pesquisadores que examinaram o solo, descobriram que os sepultados foram cuidadosamente enterrados com diversas espécies de flores tendo como testemunha do fato fúnebre a distribuição ordenada de grão de pólen em volta dos restos de fósseis,

não há dúvida que as flores foram deliberadamente arranjadas, excluídas as hipóteses de que teriam caído por acaso na sepultura quando o corpo estava sendo coberto. É como se a família e os amigos do homem morto e talvez os membros de sua tribo tivessem ido aos campos e trazidos ramalhetes de mil folhas, escovinhas, cardos-de-são-barnabé, tasneirinhas, jacintos, rabos-de-cavalo-de-pau e um tipo de mauva (…) O fato de ter sido um sepultamento intencional é interessante, porque revela uma aguçada auto consciência e uma preocupação como espírito humano (…) Porém, o mais intrigante de tudo isso é que, das várias espécies de plantas usadas no sepultamento de Shanidar, diversas têm sido usadas até pouco tempo, na medicina vegetal local.”[5]

Lewis Mumford vem confirmar que “a cidade dos mortos antecede a cidade dos vivos” e mais, é “a precursora, quase o núcleo de todas as cidades vivas”, isso se deve a prática dos primeiros Homo Sapiens desenvolvida no período paleolítico de enterrar os mortos e de retornar em intervalos determinados e períodos regulares a esses locais.

É imperioso destacar que ainda no paleolítico os homens criaram pontos de encontros cerimoniais com diferentes formas de ritos sobrenaturais concentrando nesses locais fúnebres certas faculdades espirituais que atraiam outros agrupamentos humanos, portanto, a vida da cidade se conhece, surgiu ligados em torno da morte e da crença de um mundo metafísico e subordinação a um poder superior, sobrenatural, do qual dependiam seus destinos e ao qual se devia respeito e obediência.

Vale lembrar até de modo irônico três fatos interessantes lembrados por Lewis que tange a relação da religião com o nascimento da cidade:

1° – Da grande civilização egípcia, restou apenas e em massiva maioria os templos e túmulos, sendo até hoje, lugar de grande curiosidade.

2° – Nos primórdios das cidades antigas o que saudava o viajante ao se aproximar de uma cidade grega ou românica, por exemplo, era a fila de sepultura e lápides que flanqueavam suas entradas.

3° – A própria cidade de Roma, nasceu do mito da morte e da sacralização oferecida a um determinado deus por um sacerdote antes até da colocação da pedra de fundação.

Nesse ponto, Lewis que usa a arqueologia como sua principal fonte, é pouco questionado pelos pesquisadores sejam eles de vertentes conservadoras ou progressistas, pois todos concordam que na constituição do meio urbano, os templos religiosos, os santuários sempre estiveram no centro do meio urbano mantendo forte conexão com a cidade sendo tratado inclusive como o elemento unificador dos povos para o empenho de vidas edificação dos monumentos de proteção da cidade.

[…] quando a pá do arqueólogo desenterra uma cidade encontra ele um recinto murado, uma cidadela, feita de materiais duráveis, ainda que o resto da cidade não tenha muralha nem estruturas permanentes. Dentro daquele recinto sagrado: a altura e espessura exagerada dessas muralhas, nas cidades mais antigas […] mostra-se significativamente fora de toda proporção aos meios militares que então existiam para assalta-las. É apenas a bem de seus deuses que os homens se entregam tão extravagantemente a tais reforços. Todavia, o que a princípio se destinava a assegurar o favor do deus, mais tarde pode ter trazido recompensa, na prática, como uma proteção militar mais eficiente[6].

Não é por menos, que só a presença de santuários ocupando os lugares centrais nos primeiros núcleos de povoamentos, são exemplos dos primeiros indicativos de vida cívica, tendo os locais mais privilegiados e visíveis do território para a construção do templo, seja em um monte ou no centro da cidade, ou numa fortaleza. Os templos religiosos sempre ocuparam locais mais dignos e destacados para que a presença do divino fosse notada, mas não só isso; para que sua presença fosse marcada como uma forma de poder reverencial.

Até hoje, essa é uma marca na organização das cidades com setores reservados para as Capelas, para a Igreja, para a Matriz, para a Catedral. É muito comum nas cidades as praças e suas igrejas alcançando maior importância que o edifício da prefeitura, ou qualquer outro. Mesmo em lugares de acesso pouco fácil, ou “inadequado” por não ser um local central ou visível, as igrejas se colocam imponentemente, como o Templo de Salomão, em São Paulo, que com seus 100 mil metros quadrados de área construída modificou a vida da região num raio de pelo menos outros 800 mil metros quadrados, dinamizando o local com o surgimento de novos prédios, novos comércios e outros foram modificados, além é claro, do poder público que foi impelido a investir massivamente na região dado a força da crença e o poder instituído às religiões. Ou então, ideologias religiosas que constroem igrejas com a forma das antigas igrejas medievais, numa possível demonstração de autoridade e esplendor da fé, mesmo que uma fé punitiva, lembrando o desempenho da igreja, nesse período.

 

Sentimento de identidade e pertencimento na cidade que educa

Munford[7] define o conceito sociológico de cidade como um conjunto de grupos e de associações que se unem com o propósito de manutenção da família e do bem estar dos cidadãos que vivem na cidade. Esses grupos se encontram instalados em estruturas urbanas permanentes localizados em sítios e abrigos fixos que oferecem facilidades para as reuniões sociais que dividem funções para o exercício do trabalho que serve a vida econômica da cidade publicamente regulamentado. A rigor, a cidade no seu sentido finalizado é para Munford, um plexo geográfico, uma organização econômica, um processo constitucional, um teatro de ação social e um símbolo estético de unidade coletiva.

Aristóteles aprofunda ainda mais essa discussão concordando que a sociedade tem em vista a busca do bem comum para toda a coletividade, razão pela qual o homem como um animal político encontra-se em grau bem mais elevado do que qualquer outro ser vivo na face da Terra, sendo, portanto, o único animal que tem palavra (logos); — a voz (fone) expressa a dor e o prazer, enquanto os demais animais possuem sua própria natureza que se resume em dor, prazer, e a busca pela sobrevivência.

Refletindo um pouco em Platão é possível enxergar que na natureza do Homem, encontra-se uma dupla estrutura: a corpórea e espiritual. A alma existe desde sempre no mundo das Ideias, ou seja, o homem é essencialmente “alma”, com um corpo que temporariamente a mantém aprisionada, não obstante esse dualismo referente no pensamento platônico demostra o processo pelo qual o filósofo contribuiu na constituição da cultura religiosa no ocidente permitindo às gerações futuras estudar esse ser tão simples e também complexo.

Desta forma, Aristóteles, contrariando Platão quer estruturar uma comunidade ideal por meio da relação corpo & alma em que o cidadão político bem formado para a cidade, para tanto, é aquele que têm posses, propriedades, rendas suficientes para lhe garantir ócio, tempo para estudar, e assim, condições de participar da atividade política, ou seja, o cidadão com faculdades e saberes necessário para participar ativamente da vida política da polis.

Portanto, Aristóteles é categórico ao defender que o homem só pode se desenvolver na pólis, só pode potencializar suas virtudes, desenvolver todo seu potencial dentro da pólis, pois a cidade grega é uma comunidade estruturada com objetivo do bem comum, e o bem comum da pólis é o mesmo bem comum desse homem estruturado e com conteúdo pra aceitar e internalizar sua capacidade de aprendizagem que sobretudo pelo reconhecimento de sua identidade com o lugar e pela consciência de pertencimento a um lugar com suas crenças e valores que deve ser adequado a cada realidade.

Pertencimento e identidade são conceitos bem definidos na tese de doutorado de Rogério  Ribeiro[8], neste trabalho, o autor afirma que a identidade é o resultado de um trabalho permanente de renovável construção social e política, mas também geográfica, que leva em conta a extrema mobilidade dos agentes sociais. Seguido por Dr. Joan Subirats, o qual no livro “Cidade como projeto Educativo”[9], afirma que pertencimento significa: “sentir-se parte de, e uma pessoa faz parte de, porque nasceu nesse contexto ou porque escolheu essa opção. Nesse sentido, implica ‘sentir-se com’, compartilhar, ter relações sociais significativas, poder usar um ‘nós’”[10].

A formação e afirmação de identidade, de sentimento e pertencimento é para Subirats uma construção de vivência com o lugar, o qual ao longo da vida as pessoas compartilham do círculo de amizades, seja na vizinhança, na escola e também nas comunidades religiosas.

 

A hermenêutica da religião na Cidade Educadora

Como fora demostrado até aqui, a religião é parte inseparável na formação das cidades desde os primórdios da humanidade, portanto, não é prepotência alguma argumentar que a formação humana está estritamente ligada as ações do meio cultural e religioso que vão definir a forma de pensar do homem em relação a polis.

Aqui pode-se relacionar explicitamente a religião presente na formação das cidades com a vasta obra do filósofo alemão Hans-Georg Gadamer, o qual busca inicialmente clarificar a dupla aproximação do mito religioso demostrado na cultura grega com os fundamentos cristãos que moldou a civilização ocidental.

Não é por menos que diante da desqualificação dos estudos de temas relacionados a religião patrocinado por infindáveis acadêmicos, principalmente alinhados com a escola de Frankfurd,  Gadamer faz emergir o assunto religião de forma continua em suas obras, chegando a ser até, tematizado explicitamente. Nesse sentido, o filósofo alemão busca compreender a cultura grega com seu universo mítico relacionando-a com a herança cristã que é o veio formador da cultura ocidental. A afirmação de que esses dois complexos constituem a base a partir da qual a cultura ocidental surgiu não é uma originalidade de Gadamer, Jacques Le Goff  por exemplo argumenta que:

A cultura, a arte e a religião têm uma fisionomia eminentemente urbana, ela cristaliza seu corpo físico nos lugares em que se fixou, quase sempre no interior das muralhas onde se encerra, institucionaliza seu impulso político numa comunidade vitoriosa, mas estabilizada, sua atividade produtora se organiza segundo uma tendência corporativa, sua efervescência escolar e intelectual se acomoda nas universidades. Ela estabelece sua imagem e constrói seu imaginário e sua ideologia. Mas acima dela o poder monárquico insere-a numa construção que a ultrapassa e a submete. Passa-se da cidade selvagem e conquistadora à “boa” cidade[11].

Thomas E. Woods Jr, outro exemplo, trata essa temática exaustivamente, em sua obra “Como a Igreja católica construiu a civilização ocidental” mas é notório como Gadamer acentua a relevância da presença da cultura grega e religião cristã, na formação cultural do ocidental.

Refletindo de modo mais pragmático para este assunto a hermenêutica da religião gadameriana, há de se considerar a relação dos valores humanos construído a partir da religião implícitas na complexidade da cidade, desde o tempo de Platão e Aristóteles, naquilo que Jaeger chama de Paidéia, ou seja, a cidade como um lugar do exercício do bem comum, da religião, da cultura e da educação,  é na cidade que os homens são afetados pela civilização humana que se contrapõe a barbárie imposta pela ferocidade natural e pela força física, de todo modo, é na cidade que a humanidade e justiça prevalece, movido sempre pela disciplina na crença em um Deus que como lembra Munford:

(a disciplina) é mais fácil ser executada, em cidades povoadas mais do que fora delas por causa da facilidade de reunião comum e frequente; e consequentemente, tais moradores são melhor dirigidos em ordem e melhor instruídos em sabedoria. O bom comportamento ainda é chamado de urbanistas, porque é mais encontrado nas cidades que em outra parte. Em suma, por ouvirem muitas vezes, os homens são melhor convencidos pela religião, e por isso vivem diante dos olhos uns dos outros, podem ser pelo exemplo mais facilmente preparados para a justiça e pela pressão afastados do pecado.

E enquanto que as comunidades e os reinos não podem ter. imediatamente depois de Deus, nenhum fundamento mais seguro que o amor e a boa vontade de um homem para com o outro, também isso é estimulado e mantido nas cidades, onde os homens por mútua associação e mútua companhia, estabelecem alianças, comunidades e corporações[12].

Na mesma linha de Munfort, o Concílio Vaticano II elenca que, o bem de cada ser humano está necessariamente relacionado com o bem comum. Por bem comum é preciso entender que só pode ser definido em referência à relação humana existente na cidade, que voltando a Aristóteles, “interessa à vida de todos”.

Na linha do valor humano apresentado pela Igreja católica:

o bem comum exige o bem-estar social e o desenvolvimento do próprio grupo o desenvolvimento é o resumo de todos os deveres sociais. E claro, cabe à autoridade servir de árbitro, em nome do bem comum, entre os diversos interesses particulares. Mas ela deve tornar acessível a cada um aquilo de que precisa para levar uma vida verdadeiramente humana: alimento, vestuário, saúde, trabalho, educação e cultura, informação conveniente, direito de fundar um lar etc.[…} Se cada comunidade humana possui um bem comum que lhe permite reconhecer-se como tal, é na comunidade política que encontramos sua realização mais completa. Cabe ao Estado defender e promover o bem comum da sociedade civil, dos cidadãos e dos organismos intermediário[…] O bem comum compreende “o conjunto daquelas condições da vida social que permitem aos grupos e a cada um de seus membros atingirem de maneira mais completa e desembaraçadamente a própria perfeição[13].

 

Diálogo entre a moral cristã e a Carta das Cidades Educadoras

A “moral” é entendida neste artigo pela ótica do Catecismo da Igreja Católica que abrange a moral, como regras orientadoras da vida em sociedade as quais delimitam julgamentos entre o que é certo e errado, o que é moral e imoral, previamente estabelecidos pela própria sociedade e os comportamentos socialmente aceitos se fazem presentes na vida citadina por meio da tradição.

Munford conclui que esses comportamentos individuais e cotidianos no ambiente humano estabelecem rígidas alianças culturais sedimentadas por características urbanas que as comunidades se cooperando uma com as outras cresceram e se fortaleceram, sempre na boa vontade de um homem para com o outro.

Nessas relações culturais é que surge a Carta da Cidades Educadoras, cujo objetivo é potencializar as forças educativas presente na complexidade urbana, visando a   valorização do agente educador permanente, reproduzido pela sociedade e reproduzido pela mesma[14]. Logo, entende-se que cultura é toda produção humana – ciência, arte, religião, tecnologia – enfim, todo o construto humano o qual é colocado em prática no interior das cidades por meio da estrutura mítica e materializada criando condições para a manutenção e transmissão dessas estruturas por meio da educação.

A educação tratada na Carta de Barcelona encontra-se estritamente vinculada a complexidade dos grupos e das formas de pensamento e das ações religiosas presentes na cidade, clarificada nas propostas das Cidades Educadoras, que resvalam na formação cultural do homem, que Jaeger chamará de Paidéia – portanto,  a cidade é o lugar da educação. Todos os seus templos, edifícios, ruas, avenidas, praças e parques, devem se converter em suportes para a educação.

Nas Cidades Educadoras, o espaço comunitário é a própria escola, sendo a cidade o espaço educador por excelência. O espaço é portanto, o lugar de troca de experiências, de valores e de cultura, podendo-se ainda dizer que o resultado do espírito de concidadania é valorizado. Nesse sentido, a caridade manifestada na religião ao longo da história se manifesta nas cidades como um elemento formador do caráter social revelando-se em um indivíduo valorizado, detentor de direitos subjetivos e de dignidade, permitindo que a sociedade se torne um ambiente mais justo e equilibrado tendo na caridade humana a fonte da manutenção organizacional da polis.

A caridade representa o maior mandamento social. Respeita o outro e seus direitos. Exige a prática da justiça, e só ela nos torna capazes de praticá-la. Inspira uma vida de autodoação […] O princípio da solidariedade, enunciado ainda sob o nome de ou “caridade social”, é uma exigência direta da fraternidade humana e cristã […] é o esquecimento desta lei da solidariedade humana e da caridade, ditada e imposta tanto pela comunidade de origem e pela igualdade da natureza racional em todos os homens, seja qual for o povo a que pertençam[15].

O homem atual vem perdendo o seu sentido de pertencimento de lugar. A educação por sua vez, vem perdendo o sentido de educar. Portanto, é necessário voltar a oferecer sentido para que a cidade seja compreendida com toda sua complexidade e a religião é uma das lentes para se compreender a realidade social e suas metamorfoses, a cidade, como inscrição espacial da sociedade e a carta das Cidades Educadoras direciona um caminho para ouvir as potencialidades educativas do meio urbano.

Logo, a educação é a forma máxima de revelar ao homem a complexidade da vida, para que este se aprofunda nas questões relativas ao sobrenatural e a tudo que faz parte da cultura que é formada na pólis. A gênese da pólis forma-se na espiritualidade de cada ser, onde o homem é movido a se entender e também reverenciar e ser grato ao seu Deus, ao seu espaço sagrado. Assim, o homem possa ter esse construto humano de pertencimento a um lugar, formar uma identidade, formar suas crenças, seus valores, se educar.

 

CONCLUSÃO

Atualmente, o homem não vive apenas uma fase de transformações, porém uma verdadeira mudança de fase. Os homens necessitam capacitar-se para uma participação ativa e caritativa em face as possibilidades e aos desafios que se abrem, sobretudo à globalização dos processos sociais e econômicos, com a finalidade de poderem interferir, por meio da complexidade do mundo, dando manutenção a sua autonomia em contrapartida a um conhecimento controlado por certos centros de poder político e econômico.

Diante da complexidade em que vive o ser humano, a religião, exerceu e exerce uma função essencial na transformação e no desenvolvimento das cidades, e na sua formação de grupos e de associações que se unem, têm o propósito de manutenção do bem-estar dos cidadãos e das famílias que vivem nela.

Além disso, de acordo com o que foi ressaltado neste artigo, aponta-se que é na Carta da Cidade Educadora não explicitamente, se observa que a participação social por meio da caridade representa um importante construto educativo, dialogando assim, com os valores religiosos ao longo dos tempos que é movido também pela disciplina na crença no divino, onde o bem comum determina o desenvolvimento e o bem-estar social do próprio grupo, sendo o resumo de todos as necessidades sociais.

Pela Carta das Cidades Educadora, a sociedade precisa ser oportunizada por potencialidades educativas no meio urbano, sendo cada vez mais necessário o ser humano capitanear para si, as práticas caritativas e valores religiosos como a responsabilidade, a participação, a tolerância e o respeito, o interesse pela vida pública, seus programas, seus serviços e bens, nada tão diferente do que já foi amplamente manifestado no Concilio Vaticano II.

Conclui-se, portanto, que as religiões são uma parceira na educação e formação humana, haja vista a religião e cidade sempre andaram juntas em toda história da humanidade. A cidade como centro administrativo desde os primórdios teve seus espaços bem planejados na organização territorial, oportunizando aos centros religiosos os espaços mais privilegiados, pois é nessa complexidade que se constitui o espaço de pertencimento e identificação do homem com a própria cidade, um espaço de valores e tradições que compõe o patrimônio educativo praticado constantemente através do diálogo entre educação e religião.

 

Referências

Carta das Cidades Educadoras, disponivel em: http://www.edcities.org/rede-portuguesa/wp-content/uploads/sites/12/2018/09/Carta-das-cidades-educadoras.pdf

Catecismo da Igreja Católica, 1998.

COULANGES, F. A Cidade Antiga. 11ª ed. Lisboa: Clássica Editora, 1988.

LEAKEY, Richard E. & LEWIN, Roger. Origens. 4º ed. São Paulo, Melhoramentos, 1982.

LEFEBVRE,  Henri. O direito à cidade (5º Ed.). São Paulo: Editora Centauro, 2008.

LE GOFF, Jacques – O apogeu da cidade medieval. 1º ed. São Paulo: Martins Fontes, 1998

MARQUES LOTT, Henrique Arte e Religião na Hermenêutica de Gadamer. Dissertação de Mestrado, 2007

MUMFORD, Lewis – A cidade na História: suas origens, transformações e perspectivas. Tradução: Neil R. da Silva. 4º ed. São Paulo: Martins Fontes, 1998.

ROGERIO RIBEIRO, Jorge Território, identidade e desenvolvimento: uma outra leitura dos arranjos produtivos locais de serviços no rural. Tese de Doutoramento, 2009.

SUBIRATS, Eduardo. El reino de la beleza. España: Fondo de Cultura Económica, 2003.

WOODS JR, Thomas E. – Como a Igreja Católica Construiu a Civilização Ocidental. 9º ed. São Paulo: Quadrante, 2014

 

[1]. Doutorando em Educação pela Universidade Metodista. Mestre em Arquitetura e Urbanismo pela FIAM-FAAM Centro Universitário. Pós-graduado em Docência do Ensino Superior pela Faculdade Alvorada Paulista. Especialista em Gestão de Cidades e Planejamento Urbano pela Universidade Candido Mendes. Graduado em História pelo Centro Universitário Assunção. Jornalista profissional com Mtb 52.882. Editor/proprietário da revista Cidade Educadora. Desde 2002 trabalha em edições de jornais, revistas, livros e mapas dos mais variados seguimentos. Professor efetivo na Rede Estadual de Ensino, lecionando há 19 anos em escolas públicas e particulares. É autor dos livros: Caieiras a Construção do Espaço (2007), Curtindo História das Copas (2014) e Curtindo História das Cidades (2017).

[2]. MUMFORD, Lewis – A cidade na História: suas origens, transformações e perspectivas. Tradução: Neil R. da Silva. 4º ed. São Paulo: Martins Fontes, 1998.

[3]. SUBIRATS, Eduardo. El reino de la beleza. España: Fondo de Cultura Económica, 2003.

[4]. COULANGES, F. A Cidade Antiga. 11ª ed. Lisboa: Clássica Editora, 1988, p. 150.

[5].  LEAKEY, Richard E. & LEWIN, Roger. Origens. 4º ed. São Paulo, Melhoramentos, 1982, p. 125.

[6]. MUMFORD, 1998, p. 46.

[7]. MUMFORD, 1998.

[8]. ROGERIO RIBEIRO, Jorge Território, identidade e desenvolvimento: uma outra leitura dos arranjos produtivos locais de serviços no rural. Tese de Doutoramento, 2009.

[9]. SUBIRATS, 2003.

[10]. SUBIRATS, 2003. p.73.

[11].  LE GOFF, Jacques – O apogeu da cidade medieval. 1º ed. São Paulo: Martins Fontes, 1998. LE GOFF, 1998, p. 144.

[12].  MUMFORD, 1982, p. 129.

[13].  CIC, 1998, 1909

[14].  LEFEBVRE,  O direito à cidade. 5º ed. São Paulo: Editora Centauro, 2008.

[15].  CIC, 1998, 1889 e 18890.