A natureza do Homem, na sua dupla estrutura corpórea e espiritual, cria condições especiais para a manutenção e transmissão da sua forma particular e exige organizações físicas e espirituais, ao conjunto das quais damos o nome de educação. Na educação, como o Homem a pratica, atua a mesma força vital, criadora e plástica, que espontaneamente impele todas as espécies vivas à conservação e propagação do seu tipo. É nela, porém, que essa força atinge o mais alto grau de intensidade, através do esforço consciente do conhecimento e da vontade, dirigida para a construção de seu fim [1].
Werner Jaeger monstra que a educação não é de pertencimento do indivíduo, mas da comunidade, que imprime em seus membros seu caráter, fonte da ação e do comportamento. Sendo assim, compreende-se que a educação depende do meio ambiente e do grupo social para se estruturar enquanto um conjunto de normas, que regerá tal comunidade. Se a educação é uma organização social, ela ocorrerá em todos os espaços da comunidade e não necessariamente nos espaços que lhe são designados, como a escola. A educação é um fato que se dá intra e extramuros de um lugar qualquer, onde se confine pessoas para a aprendizagem. Quando a educação está vinculada à sociedade e ao espaço da comunidade, ela age sobre o crescimento do grupo, tanto na sua estruturação e organização interna, quanto no seu desenvolvimento espiritual.
A educação é, portanto, dependente do grupo, não podendo ser padronizada. O que é bom para uma sociedade, não é, necessariamente, bom para outra. Por este motivo, é possível falar em educações. A educação do indígena, que tem outra forma de ver e compreender o mundo, que tem outras necessidades para a sobrevivência do grupo, outras crenças, não deve ser a mesma educação que o homem da cidade, com uma cultura completamente diferente da dos indígenas. As formas de ensinar, os procedimentos pedagógicos, devem ser diferentes; ou melhor, apropriado a cada realidade. É possível dizer, que um homem branco educado numa tribo indígena, seria um inútil na cidade. Da mesma maneira, isso é verdade para o índio, se educado na cidade. Por quê? Porque as comunidades têm realidades e necessidades diferentes; uma precisa do caçador; a outra, do burocrata. Cada grupo social tem suas normas educativas, para formar os seus indivíduos. Se falamos em educações é somente para permitir reflexões sobre a organização dos grupos sociais e a aprendizagem de seus costumes, hábitos e tradições; para o desenvolvimento de sua cultura. Nas pequenas comunidades rurais, a educação, quando não instituída, se dá pela necessidade da aprendizagem do plantio, da colheita, do manuseio com os animais, etc.; neste processo, o cabedal simbólico do grupo se forma, definindo seu imaginário, e quando a educação se volta para a dimensão simbólica do grupo, é possível falar em uma educação que se fundamenta na dimensão arquetípica desse grupo – mesmo que o grupo não saiba disso. Quando a educação se institucionaliza, os procedimentos pedagógicos são padronizados e a dimensão simbólica se perde, numa necessidade das práticas educativas que formam o indivíduo para uma vida semelhante à de todos, mas rouba-lhe a autonomia de pensamento e o potencial simbólico, por estar desvinculada do meio ambiente.
Se a educação depende do meio e deve estar vinculada às ações culturais, religiosas e práticas do grupo, a forma de se pensar, de modo mais pragmático, a relação da educação com a cidade, é considerar as propostas das Cidades Educadoras, que resvalam naquilo que Jaeger chama de Paidéia – a formação cultural do homem. A educação perpassa todos os âmbitos da cidade, e acontece em todos os lugares. A cidade é o lugar da educação. Todos os seus edifícios deveriam ser suportes para a educação, como são para a publicidade. Como eram na Grécia helenística, cujos adornos retratavam os feitos de seus heróis, ou de seus mitos.
Nas Cidades Educadoras, a escola deve ser um espaço comunitário, e a cidade deve ser um espaço educador, permitindo a valorização do aprendizado vivencial, numa troca de experiência com os outros e com o próprio espaço urbano. Desta forma, pode-se dizer que o resultado será a harmonia entre identidade e diversidade, no qual a contribuição das comunidades e o direito dos cidadãos são salvaguardados por um reconhecimento cultural. Quando pensada a partir dos conceitos de Cidade Educadora o espírito de concidadania é valorizado, senão altamente ressaltado.
No entanto, quando comparamos estas propostas com a realidade de uma aldeia indígena ou de uma pequena comunidade, percebemos que, tanto em um ambiente como em outro, o que importa é a relação do indivíduo com o lugar, uma écoumène [2] (do grego oikoumenê, “terra habitada”) – relação geográfica e ontológica -, um processo de apropriação, que transcende os dados físico; isto é, a apropriação se dá na dimensão simbólica, também; sacralizando o lugar. Sacralizando a cidade, numa interação entre imaginário e práxis política, que ao considerar a diversidade (no sentido mais amplo), remete ao Manifesto Convivialista [3] – que propõe a convergência entre as divergências -, viabilizando a vida integral, neste espaço urbano pensado e construído para e pelo Homem.
Ainda elaborando esses pensamentos, podemos divagar na possibilidade de as cidades tomarem como partido para suas propostas este conjunto de ideias, tendo por base um princípio de convivialidade, que como diz o Manifesto, é uma Declaração de Interdependência. Sendo assim, os territórios demarcados pelas instituições de ensino, como falado no texto anterior, deixam de ser sintema, para serem símbolos. E a cidade se amplia no significado e no seu imaginário, legitimando o espaço da educação/cultura no território urbano, transformando-se numa grande aldeia…
“A cidade converte-se em cidade educadora a partir da necessidade de educar, de aprender, de imaginar…, sendo educadora, a cidade é, por sua vez, educada” [4]
[1] JAEGER, Werner – Paidéia – a formação do homem grego. Tradução: Artur M. Parreira. São Paulo: Martins Fontes, 1995.
[2] BERQUE, Augustin – Écoumène: introduction à l’étude des millieux humains. Paris: Édition Belin, 1987.
[3] CAILLÉ, Alain – http://www.lesconvivialistes.org/15-soutiens
[4] FREIRE, Paulo – II Congresso Internacional de Cidades educadoras em 1992.