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A história de Mairiporã remonta ao proprietário de uma Sesmaria[1], Gaspar Coqueiro, que ainda no séc. XVII passou a Salvador Pires Monteiro uma vasta extensão de terras que partia do rio Tietê, cruzava a Serra da Cantareira e chegava até o rio Juqueri. No início do século XVII, desbravadores que partiam do vilarejo de Guarulhos começaram a avançar sentido norte chegando ao local onde é hoje o centro da cidade, por volta de 1640, com Antonio de Souza Del, e foi construída a capela Nossa Senhora do Desterro, estabelecendo ali uma pequena freguesia, semelhante a tantos outros povoados existentes ao redor da Vila de São Paulo.

Mais de meio século depois a freguesia foi elevada a Vila, recebendo o nome de Nossa Senhora do Desterro. O século XVIII é marcado por um extenso fluxo de tropas de muares que partiam de São Paulo demandava o interior, tendo na pequena vila da futura cidade de Mairiporã um importante ponto de parada.

Em 1769 a velha estrada de Bragança é inaugurada, ligando Juqueri até São Paulo, e com a expansão cafeeira no século XIX as cidades adjacentes a capital da província conhecem um forte desenvolvimento econômico. Na região, a construção da estrada de ferro São Paulo Raiway Company[2], ligando Santos à Jundiaí destinada inicialmente para o escoamento do café, somada a construção do hospital-colônia, pressionou para que o vilarejo vizinho Franco da Rocha, assim como Caieiras fossem anexados à capital paulista, enquanto Mairiporã distante da ferrovia inglesa seguiu curso contrário e logo em março de 1889 conheceu sua emancipação por força da lei nº 67 de 27/03/1889.

Nas primeiras décadas do século XX a cidade de Mairiporã recebe uma considerável quantidade de imigrantes japoneses e passa a produzir arroz e batata, na mesma época estabelecem olarias destinadas à produção de tijolos e telhas, patrocinando o desenvolvimento socioespacial da região.

Esse desenvolvimento foi beneficiado ainda mais com a inauguração da Rodovia Fernão Dias em 1959 somado ao parcelamento e uso do solo do distrito de Terra Preta onde seria criado em 1973, uma zona industrial.

E em 1974 com a inauguração da represa Paiva Castro, Mairiporã com seus  80% do território sob proteção de área de mananciais (APRM) configurou-se definitivamente como um município de fundamental importância para respeitáveis cidades da Grande São Paulo.

A RMSP (Região Metropolitana de São Paulo)[3] ocupa uma área de 8.047 Km², com população de mais de 20 milhões de habitantes, distribuídos em 39 municípios, produzindo anualmente um PIB (Produto Interno Bruto) que ultrapassa com certa facilidade a marca de R$ 500,00 bilhões. Significando uma produção maior que da Argentina. Mairiporã é também um município da RMSP, com seus 93.981 habitantes faz parte da SRN (Sub-Região Norte), juntamente com Caieiras, Franco da Rocha, Francisco Morato e Cajamar, ocupando uma área de 320,9 km², ou 43,8% da SRN.

O agigantamento populacional da RMSP reacendeu o debate entre demografia X recursos naturais, tendo o município de Mairiporã um dos principais focos desse debate. A forte urbanização sobre os recursos naturais localizados na Grande São Paulo, principalmente em terras mairiporanenses, passam a fazer parte das preocupações exigindo do poder público representado localmente pela prefeitura, uma enorme capacidade de gestão.

 

Mairiporã: um crescente ‘barril de pólvora’ ameaça as estruturas metropolitanas

A cidade de Mairiporã apesar de ser de fundamental importância estrutural para capital paulista e cidades adjacentes, vem se configurando num enorme barril de pólvora prestes a explodir.

Para entender esse drama, basta observar os números do IBGE[4] que aponta que nos últimos 40 anos sua população vem crescendo muito acima da média nacional. Se em 1970, Mairiporã contava com pouco mais de 19 mil habitantes, hoje, já se aproxima dos 100 mil. Com o crescimento populacional acelerado principalmente nas periferias, cresce também os problemas de invasões em áreas de mananciais, segregação, tráficos e criminalidade.

Chega a ser impressionante a facilidade de compra e venda de lotes por todo o município, principalmente na Serra da Cantareira, como também é fácil a construção e o desmatamento nessas áreas, as quais vêm sofrendo drasticamente com a devastação endêmica. 

Outro grande problema é a Rodovia Fernão Dias, inaugurada em 1959, trouxe muitos benefícios à cidade. Hoje, a rodovia encontra-se privatizada e pedagiada em terras mairiporanenses, tornando-se um forte agente segregador de bairros, causando transtornos e forçando desvios irregulares pela população que precisa – de um jeito ou outro – se locomover. No entanto, é no trecho entre Mairiporã e Atibaia onde ocorre o maior número de lentidão e acidentes.  

O trânsito na área central é definitivamente caótico, e piora ainda mais com o grande número de carretas que cruzam o município pela principal e única avenida que corta a cidade, impulsionada pelo Rodoanel trecho Norte. 

O transporte público é o pior da região, com número de unidades  semelhantes a 10 anos atrás. Ir e vir de Mairiporã com transporte público é sempre um grande transtorno, obrigando a população a ser dependente de transporte particular. 

Essa dependência do transporte público, tanto municipal como intermunicipal, faz a cidade viver numa constante busca de alternativas que garantam paralelamente, o crescimento da arrecadação e a criação de postos de trabalho baseados em um modelo de desenvolvimento que contemple a vocação econômica da região, atrelada a uma perspectiva sustentável. Desta forma, atingir esses objetivos com a série de restrições às atividades produtivas, impostas pela Lei Estadual de proteção dos mananciais[5] é outro grande problema a ser resolvido. 

A soma de tantos fatores recai sobre o patrimônio verde da cidade e consequentemente ameaça o abastecimento de água dos mais de 8 milhões de habitantes da Região Metropolitana, dependentes do Complexo Cantareira[6]. Enfrentar esses problemas nos dias atuais exige dos gestores, muita competência administrativa, visão gestora em longo prazo, e principalmente, a capacidade de pensar e agir coletivamente da população local visando sempre a manutenção das riquezas naturais de Mairiporã. 

Uma possibilidade real de enfrentamento desses problemas é inserir o cidadão comum nos processos decisórios da cidade. Mas para tanto, é necessário formar cidadãos esclarecidos sobre o funcionamento e as necessidades das cidades adjacentes. 

Um caminho seguro, mas que demanda tempo, é a pedagogia urbana, o “aprender com a cidade”, refletir sobre o meio urbano à medida que estabelece as bases para uma reflexão crítica a respeito da crise ambiental e da responsabilidade que cada cidadão tem na gestão do espaço onde vive. 

Não se trata apenas de propor a criação de uma consciência urbana e ecológica, mas prioritariamente, uma consciência urbana crítica, diferente de “critiqueira”, tão comum nos discursos marxistas onde o poder público é apenas o grande vilão da história e o povo, a vítima. 

É necessário o resgate ético e moral nas relações entre os seres humanos e o meio natural, de tal modo que o desenvolvimento econômico tão necessário para a sociedade não seja a razão dos prejuízos ambientais e sociais.

 

Notas: 

1 Sesmaria era um lote de terras distribuído a um beneficiário, em nome do rei de Portugal, com o objetivo de cultivar terras virgens. 

2 The São Paulo Railway Company, Limited foi a primeira ferrovia construída no estado de São Paulo, inaugurada em 1867 ligando o litoral paulista, vencendo a Serra do Mar e chegando até Jundiaí no interior paulista.

3 A Região Metropolitana de São Paulo concentra 39 municípios e é o maior polo de riqueza nacional. Criada em 1973, foi reorganizada em 2011. Seu Produto Interno Bruto (PIB) corresponde a cerca de 18% do total brasileiro e a mais da metade do PIB paulista (55,47%). Vivem nesse território quase 50% da população estadual, chegando a 22 milhões de habitantes, segundo estimativa do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) para 2015.

4 O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) é uma fundação pública da administração federal criada em 1934. A sede do IBGE está localizada na cidade do Rio de Janeiro.

5 Em 1997 foi promulgada a Lei Estadual de proteção dos mananciais no Estado de São Paulo. Refletindo a necessidade de se estabelecer parâmetros com o fim de preservar ou tentar preservar o que restara dos mananciais paulistas, a Lei Estadual N. 9.866 trata da proteção e recuperação de condições ambientais específicas com o intuito de garantir a produção de água necessária para o abastecimento e consumo das gerações atuais e futuras.

6 O Complexo Cantareira é o maior dos sistemas administrados pela Sabesp, destinado a captação e tratamento de água para a Grande São Paulo e um dos maiores do mundo. O sistema é composto por seis represas: Paiva Castro (1973) no rio Juqueri; Águas Claras (1973) no topo da Serra da Cantareira; Cachoeira (1975) no rio Cachoeira; Atibainha (1975) no rio Atibainha; Jaguari (1981) no rio Jaguari e Jacareí (1981) no rio Jacareí. Hoje são cerca 8,8 milhões de usuários abastecidos por esse sistema.

 

 

Fonte: Dissertação de Mestrado de Jorge Antonio Gutier Ruis, apresentado a Universidade Presbiteriana Mackenzie,  em 2016

 

Título: Mairiporã: O impacto do crescimento da cidade na sustentabilidade hídrica local