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Há muito tempo atrás aconteceu um fato que transformou sensivelmente a minha experiência com o mundo e com as pessoas. Naquela altura eu era só uma menina com aproximadamente 10 anos de idade. Ali, tendo passado os primeiros anos de escolarização meio perdida, ocupando o lugar de um peixe fora d’água nos bancos escolares, apesar da sempre e incansável querida professora Yara, descobri a biblioteca da escola. Que maravilha!

Lembro da sensação de me descobrir lendo ali, da ânsia para avançar na descoberta das aventuras de um cãozinho chamado Samba, de ficar horas e horas escondida embaixo de uma mesa de madeira lendo ou atrás de uma estante no fundo da sala. Um frio na barriga neste meu esconderijo típico sintoma de paixão, o mundo da leitura se descortinando pra mim em um tempo próprio. Foi esse acontecimento que fez toda a diferença ao produzir minha vinculação com o universo escolar. Até que me descobriram ali em minha atitude criminosa! Pressão para o rendimento escolar, pressão para adequação ao ritmo das aulas e, praticamente, esse grande acontecimento passou a ser um problema e não um aspecto a ser considerado.

Tantos anos depois acho irritante perceber o quanto estamos propensos a cultuar rotinas e prazos, o quanto estamos super dispostos a normatizações, enquadramentos, medicalizações. O quanto o nosso olhar, sensibilidade e escuta tende a se desalojar cotidianamente frente ao inusitado. O quanto temos dificuldades em reconhecer que muitas vezes mudanças acontecem simplesmente por conta da coragem ou da humildade de se dar lugar a um acontecimento mobilizador com toda força promissora que o envolve. E nada mais. Trabalhar as possibilidades que advém de uma grande descoberta é um ato criativo e aberto. Não é produto de um método, de um plano ou de um diagnóstico.

Talvez por isso a educação seja um terreno nômade, como a leitura, pois apesar da pressão pelos resultados, ela se relaciona com uma esfera outra: a disponibilidade do indivíduo de estar na vida de maneira autônoma. Para isso é necessário tempo para experimentar um novo espaço, para descobrir interesses, para mergulhar no corpo das produções pré-existentes ao universo em questão. Seja escolar, literário, artístico, culinário, técnico, não importa! Tempo…

 

Tempo para construir uma leitura própria de mundo e um cadinho de tranquilidade para se descobrir a sós com os seus próprios pensamentos e sentimentos. Acho que é só assim que podemos chegar a formular novas ideias que nos permitam abraçar o mundo, descobrindo o universo.